Artigo publicado na primeira Homepage em 1996
Muitos pensamentos meus a respeito do humano estão apenas conceitualmente formalizados, sem desenvolvimentos explicativos. Eles me servem de respaldo. São aforismos, ou sutras como diriam os indianos (os sutras são os fios condutores; os pensamentos, as percepções são neles enfileiradas como contas de um colar), ou ainda, resumos, unidades de percepção que abaixo transcrevo:
Relacionamento e Posicionamento
1. A essência humana é relacional.
2. Relacionamentos estruturam posicionamentos.
3. Posições configuram limites.
4. Os limites criam descontinuidades.
5. A descontinuidade motiva para buscas.
6. As buscas criam planos para os posicionamentos.
7. A manutenção do posiconamento engendra atitude de avaliação.
8. As avaliações são neutralizadas pela espontaneidade.
9. A participação impede a espontaneidade na medida em que cria o ajuste, determina articulações, endereçamentos.
10. Estar com o outro, ser com o outro é diferente de integrar-se fundir-se com o outro.
11. Quando a existência pressupõe uma pré-existência, ela é um limite relacional criador de obstáculos ao movimento.
12. O movimento é uma relação.
13. Contextos relacionais são referenciais posicionantes e determinadores de comportamento.
Percepção
1. Em termos psicológicos seria necessário integrar a percepção a tal ponto que não percebêssemos que percebíamos.
2. Consciência como absorção da vivência é dualismo.
3. Vivência é integração do presente. A não vivência, a não integração do presente, é a pontualização.
4. A duplicação do ser em eu mesmo é fragmentadora - questão de imagem fabricada.
5. A vivência total é presentificada (integração, contemplação, êxtase).
6. A percepção de si mesmo é despersonalizadora pela divisão que enseja.
7. Situar-se quebra a dinâmica e desumaniza, coisifica.
8. As imagens, papéis e representações constituem a aparência.
9. O que aparece é diferente do que é, embora seja - o que aparece é diferente do que é, porque é um outro - expressão e estruturação.
10. Entre a essência e a aparência existe um abismo (vazio). Essa evidência criou visualizações arbitrárias de interno e externo, de oculto e expresso, de objetivo e subjetivo.
11. A polaridade é a manifestação da unidade.
12. Pensar no humano como subjetividade (alma, espírito, psique, consciência, inconsciente, organismo) e objetividade (comportamento, motivação, linguagem) é obscurecedor do humano.
13. A unidade (unicidade) humana é a sua essência (relacional).
Essências Relacionais
1. A movimentação do eixo submetido a forças dinamizadoras provoca unilateralizações ou globalizações.
2. Nos relacionamentos são estruturados os níveis de sobrevivência e de existência.
3. A depender da simultaneidade do movimento configura-se ora o nível de sobrevivência, ora o nível de existência.
4. Havendo interrupções privilegia-se uma polarização responsável pelo sujeito ou pelo objeto.
5. A quebra do eixo cria o sujeito e/ou o objeto, pontualizado.
6. A quebra do eixo é feita pelos aprisionamentos, os captores da essência humana. Captores, posicionantes, podem ser entendidos como organismo, sociedade, cultura, mais sinteticamente, o outro.
7. O outro aliena ao gerar participação - é o outro como limite.
8. A recuperação do eixo é feita por meio da ultrapassagem do outro, transcendendo-o. O outro já não é um limite.
9. A estruturação de autonomia é a quebra das pontes nos abismos, é a transformação do vazio cercado, é a retirada das cercas.
10. A possibilidade de relação estrutura o sujeito e o objeto. É como se o eixo ao movimentar-se, por atrito, estruturasse os pólos.
11. O outro no espelho sou eu.
12. A intervenção de outro contexto muda a percepção.
13. O próximo é o distante, pois há sempre uma distância quando se configura a proximidade.
Totalidade
1. Não existe o si-mesmo - partes não existem.
2. Este outro eu, por mim criado, é um acessório relacional construido por deslocamentos de não aceitação.
3. Parando de deslizar, saltando e pulando, preciso de andaimes e cordas para aterrissar.
4. As chamadas reflexões do Ser são reproduções caricaturadas desses movimentos.
5. O andar em círculo, as repetições estruturam desequilíbrios.
6. A quebra de contextos estruturantes orienta para a busca do si-mesmo. Quem sou eu? O que quero?
7. O desespero é a necessidade de resolver - nada espero, mas quero.
8. A impossibilidade é a formalização definidora de posicionamento,
tanto quanto a possibilidade o é.
9. Decidir é avaliar; continuar é dedicar-se.
10. Só existe continuidade (dedicação) no deslizamento, na quebra das formas, dos limites - já não sei quem sou eu, quem é o outro, apenas me percebo com o outro. [Terra e Ouro são Iguais - pags. 124 a 132]
- Vera Felicidade -
agosto de 1996